Por Marcos Evandro Brasil & Rosana Pimentel
A gênese das cadeias globínicas é regulada por agrupamentos (clusters)
de genes nos cromossomos 11 e 16, na ordem cronológica em que
são expressos (sentido 5’ → 3’), nos períodos embrionário, fetal e adulto,
quando diferentes grupos de genes são ativados ou suprimidos e diferentes
cadeias globínicas são sintetizadas independentemente.
RESUMO
A anemia falciforme é uma doença
genética e hereditária, predominante em negros, mas que pode manifestar-se
também nos brancos. Ela se caracteriza por uma alteração nos glóbulos
vermelhos, que perdem a forma arredondada e elástica, adquirem o aspecto de uma
foice (daí o nome falciforme) e endurecem, o que dificulta a passagem do sangue
pelos vasos de pequeno calibre e a oxigenação dos tecidos. As hemácias
falciformes contêm um tipo de hemoglobina, a hemoglobina S, que se cristaliza
na falta de oxigênio, formando trombos que bloqueiam o fluxo de sangue, porque
não têm a maleabilidade da hemácia normal. Esta anemia é causada por mutação
genética, responsável pela deformidade dos glóbulos vermelhos. Para ser
portador da doença, é preciso que o gene alterado seja transmitido pelo pai e
pela mãe. Se for transmitido apenas por um dos pais, o filho terá o traço falciforme,
que poderá passar para seus descendentes, mas não a doença manifesta. A
eletroforese de hemoglobina é o exame laboratorial específico para o
diagnóstico da anemia falciforme, mas a presença da hemoglobina S pode ser
detectada pelo teste do pezinho quando a criança nasce. Os portadores de anemia
falciforme precisam de acompanhamento médico constante. Quanto mais cedo
começar, melhor será o prognóstico. Apesar de não específico, em algumas
situações, ele pode ser indicado para diminuir as crises dolorosas
(hidroxiureia), isquemias cerebrais de repetição (terapia de transfusão
regular), terapia da quelação de ferro para aqueles que recebem transfusões com
frequência e acumulam ferro no organismo e, mais raramente, a troca de hemáceas
(eritracitaferese).
INTRODUÇÃO
A
anemia é definida como síndrome caracterizada por diminuição de massa
eritrocitária total. Laboratorialmente, definimos anemia como hemoglobina menor
que 12 g/dl em mulheres ou 13 g/dl em homens. Na gravidez existe anemia
relativa, por hemodiluição, além daquela por carência nutricional,
principalmente, por deficiência de ferro e ácido fólico. Na gestação os limites
considerados normais para o valor da hemoglobina caem para 10g% e os do
hematócrito para 30%.
A avaliação inicial do paciente com anemia inclui anamnese e exame
físico minuciosos, além de exames laboratoriais. Os sintomas relacionados à
anemia dependem da idade, da capacidade física, do grau de anemia e do tempo de
evolução. Pacientes com evolução aguda apresentam sintomas com valores mais
altos de hemoglobina, enquanto que os de evolução crônica exibem valores mais
baixos. Os sintomas usuais incluem astenia, cansaço, fraqueza, falta de ar e
palpitações. No exame físico o achado mais característico é a palidez
mucocutânea.
A investigação laboratorial inicial consiste na realização dos
seguintes exames:
·
Hematócrito, hemoglobina e contagem de eritrócitos para avaliar o
grau de anemia.
·
Índices hematimétricos (VCM, HCM e CHCM) para determinar se os
eritrócitos são, em média, normocíticos, macrocíticos (VCM > 100) ou
microcíticos (VCM < 80) e se são hipocrômicos. O aumento da amplitude de
distribuição do volume dos eritrócitos (RDW) é uma medida de anisocitose.
·
Contagem de reticulócitos para estimar se a resposta medular
sugere incapacidade da produção – ou hemólise
- ou perda sanguínea recente.
·
Exame microscópico da distensão sanguínea (lâmina de sangue
periférico) para avaliar o aspecto dos eritrócitos e as alterações
concomitantes dos leucócitos e das plaquetas.
As
classificações das síndromes anêmicas podem ser classificadas quanto à
proliferação (pelo índice de reticulócitos) e quanto à morfologia (pela
ectoscopia da hemácia ou valores de VCM e HCM).
Causas de anemia
e sua classificação de acordo com a contagem de reticulócitos e com a
morfologia das hemácias.
Anemia
Ferropriva
A
deficiência de ferro representa a causa mais comum de anemia e pode ser
diagnosticada observando o seguinte diagnóstico:
·
Hemograma
com anemia microcítica e hipocrômica.
·
Ferritina
< 10 ng%
·
Ferro
sérico < 30mcg% , o que denota baixo estoque
·
Capacidade
de ligação ao ferro (TBIC) alta.
Anemia
Magaloblástica
Pode
ser causada por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, que ocorre por
baixa ingesta (deficiência de folato) ou por impacto na absorção, como é o caso
da anemia perniciosa (deficiência de vitamina B12). A anemia megaloblástica
pode ser diagnosicada a partir do seguinte diagnóstico:
·
Neutrófilos
plurissegmentados no sangue periférico.
·
A
deficiência de vitamina B12 pode cursar com pancitopenia.
·
A
investigação inicia-se pela dosagem de ácido fólico e vitamina B12. As dosagens
séricas de ácido metilmalônico e homocisteina são usadas para confirmação
diagnóstica.
Talassemia
É
doença hereditária resultante de um defeito genético na síntese de uma ou mais
cadeias globínicas da hemoglobina. Há dois principais tipos de talassemia -
alfa e beta – que podem se manifestar como minor (ou traço talassêmico),
intermédia ou major. O diagnóstico pode ser realizado observando os seguintes
resultados:
·
Hemograma
com microcitose, hipocromia e reticulócitos aumentados.
·
A
eletroforese de hemoglobina apresenta elevação da hemoglobina A2 nas
beta-talassemias.
Anemia
Falciforme
Ocorre
por mutação que substitui o ácido glutâmico por valina na posição 6 da cadeia ß
da globina. A hemácia com a globina mutante quando desoxigenada torna a
clássica forma de foice, perdendo a flexibilidade necessária para atravessar os
pequenos capilares. Os heterozigotos para a mutação apresentam uma entidade
benigna (traço falciforme), sem ocorrência de anemia ou obstrução vascular. A
anemia falsiforme pode ser diagnosticada a partir dos indicativos a segur:
·
Anemia
crônica, crises de dor osteoarticular, icterícia e história familiar
freqüentemente positiva.
·
O
diagnóstico é feito pela eletroforese de hemoglobina que detecta a presença da
hemoglobina mutante (Hemoglobina S).
Anemias
Hemolíticas
1.
Esferocitose Hereditária
Representa
a mais comum desordem congênita da membrana eritróide. É caracterizada por
disfunção de uma ou mais proteínas de membrana, gerando alteração na flexibilidade
da hemácia com destruição periférica precoce. Clinicamente varia desde anemia
discreta compensada até grave anemia hemolítica.
2.
Deficiência de Glicose 6 Fosfato Desidrogenase
(G6PD)
Representa
a anormalidade mais comum do metabolismo da hemácia, trata-se de uma desordem
genética ligada ao cromossomo X.
A
deficiência desta enzima diminui a capacidade da hemácia de manter-se íntegra
frente aos agentes oxidantes. Os episódios agudos, com hemólise intravascular,
podem ser provocados por fármacos, alterações metabólicas ou infecções. O
diagnóstico pode ser confirmado pela presença do Corpúsculo de Heinz no
esfregaço de sangue periférico e pela pesquisa de G6PD. A maioria dos
indivíduos é assintomática, realizando-se o diagnóstico por estudo familiar.
3.
Anemia Hemolítica Autoimune
Ocorre
quando há destruição precoce das hemácias mediada por auto-anticorpos fixados a
antígenos da membrana eritrocitária que determina uma série de reações em
cascata terminando na lise dessas células (hemólise intravascular), além de
fagocitose pelo sistema macrofagocítico (hemólise extravascular). Pode ocorrer
de forma idiopática, induzido por drogas ou de forma secundária a processos
autoimunes, infecciosos ou neoplásicos.
O
quadro clínico típico deverá demonstrar sinais e sintomas de anemia associada à
icterícia, dor abdominal e febre. Esplenomegalia de pequena monta poderá ser
encontrada. O esfregaço de sangue periférico revelará microesferócitos,
hemácias “mordidas” e eritroblastos. O teste da antiglobulina direta (Coombs
direto) é caracteristicamente positivo.
4.
Anemia Hemolítica Microangiopática
Caracterizada
por hemólise microvascular causada por fragmentação de eritrócitos normais
passando por vasos anormais. A síndrome hemolítico-urêmica e a púrpura
trombocitopênica trombótica são causas primárias, enquanto que, entre as
secundárias, encontramos as complicações da gravidez como: o DPP,
pré-eclâmpsia, eclâmpsia e a síndrome HELPP. Clinicamente constata-se a tríade
clássica: anemia microangiopática, plaquetopenia e insuficiência renal aguda.
Anemia de
Doenças Crônicas
Cursa
com anemia normocítica e normocrômica, geralmente leve a moderada. Sua causa é
multifatorial e as doenças infecciosas, autoimunes, neoplasias e insuficiência
renal crônica são condições associadas. Os exames laboratoriais irão demonstrar
ferritina normal ou alta, com ferro sérico baixo, em decorrência de desordem no
metabolismo do ferro.
Perda Aguda de
Sangue
É
causa comum de anemia hiperproliferativa. Perdas de até 15% do volume sanguíneo
são normalmente toleradas por mecanismos compensatórios. Perdas maiores levam a
hipotensão e choque. No choque hipovolêmico ocorre perda sanguínea global de
tal forma que os valores hematimétricos podem permanecer normais e não refletem
imediatamente a extensão da perda sanguínea.
Neste
trabalho estaremos colocando em discussão a anemia falciforme e suas
características quanto ao diagnóstico e acompanhamento para efeito de
tratamento do paciente.
METODOLOGIA
O
presente trabalho foi elaborado a partir de uma revisão da literatura sobre as
anemias e em especial a anemia falciforme. Buscamos em sites especializados e
revistas cientificas. Foram selecionados 12 (dose) publicações, das quais 04
(quatro) foram selecionadas por atenderem aos nossos critérios e outros 08
(oito) foram descartados. As publicações que atenderam a expectativa na
realização deste trabalho encontram-se indexado nas Referêncas Bibliográficas.
DISCUSSÃO
Doença
falciforme (DF) é um termo genérico que engloba um grupo de anemias hemolíticas
hereditárias caracterizadas pela alteração estrutural na cadeira da betaglobina
levando à produção de uma hemoglobina anormal denominada HbS (derivado do
inglês sickle), daí, o nome doença falciforme.
A
DF é uma enfermidade genética frequente nos seres humanos, sendo também de
grande prevalência no Brasil. De acordo com o tipo de alteração presente na
hemoglobina, pode-se classificar essa hemoglobinopatia em formas clínicas distintas:
forma homozigótica SS, que é a anemia falciforme (HbSS), e as formas
heterozigóticas, representadas pelas associações de HbS com outras variantes de
hemoglobinas, tais como: HbC, HbD e as interações com as talassemias (α,β0 e
β+).
As
células falciformes têm sobrevida muito curta, de 16 a 20 dias, quando
comparadas aos 120 dias do eritrócito normal. Em presença de baixa tensão de
oxigênio, ocorre a polimerização da HbS, que culmina na transformação da clássica
forma do eritrócito de bicôncavo para a de uma foice. Após ser repetidamente
submetida a afoiçamentos na microcirculação, a célula pode perder a capacidade
de retornar à sua forma discoide bicôncava normal.
A
ocorrência de vaso-oclusões, principalmente em pequenos vasos, representa o
evento fisiopatológico determinante na origem da maioria dos sinais e sintomas
presentes no quadro clínico dos pacientes com doença falciforme, tais como as
crises álgicas, úlceras de membros inferiores, síndrome torácica aguda (STA),
sequestro esplênico, priapismo, necrose asséptica do fêmur, acidente vascular encefálico
(AVE), retinopatia, insuficiência renal crônica, entre outros.
“No
Brasil nascem 3.500 crianças por ano com DF e 200.000 com traço falciforme, e
estima-se que 7.200.000 pessoas sejam portadoras do traço falcêmico (HbAS) e
entre 25.000 a 30.000 com DF. O diagnóstico neonatal da DF foi implantado no
Brasil através da Portaria nº 822, do Ministério da Saúde, de 06/06/2001.”
Fonte: Programa
Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), do Ministério da Saúde.
Assim
como em outras doenças crônicas, aspectos psicossociais afetam a adaptação
emocional, social e acadêmica dos pacientes com DF durante toda a sua vida. Existe
um número substancial de problemas relacionados à doença crônica, como
dificuldade no relacionamento familiar, na interação com colegas, no rendimento
acadêmico e no desenvolvimento de uma autoimagem positiva. Ansiedade,
depressão, comportamento agressivo e medo, relacionados à natureza crônica e
fatal da doença, são manifestações freqüentes e se intensificam frente às
repetidas crises de dor e internações. Durante a fase adulta, problemas
socioeconômicos, como o desemprego, podem se fazer presentes, além de problemas
emocionais e psicológicos, incluindo as dificuldades nos relacionamentos, a
baixa autoestima e preocupação com a morte.
A hemoglobina é a proteína respiratória presente no interior dos
eritrócitos dos mamíferos que tem como principal função o transporte de
oxigênio (O2) por todo o organismo. A sua estrutura é de uma
proteína esferóide, globular, formada por quatro subunidades, compostas de dois
pares de cadeias globínicas, polipeptídicas, sendo um par denominado de cadeias
do tipo alfa (alfa-α e zeta-ξ) e o outro de cadeias do tipo não-alfa (beta-β,
delta-δ, gama-γ e epsílon-ε). Sua estrutura é quimicamente unida a um núcleo prostético
de ferro, a ferroprotoporfirina IX (heme), que detém a propriedade de receber,
ligar e/ou liberar o oxigênio nos tecidos. Cada cadeia polipeptídica da globina
é composta por uma seqüência de aminoácidos, tendo as cadeias alfa 141
aminoácidos e as cadeias não-alfa, 146. As combinações entre as diversas
cadeias de proteínas dão origem às diferentes hemoglobinas presentes nos
eritrócitos desde o período embrionário (intra-uterino) até a fase adulta, produzidas
no decorrer das distintas etapas do desenvolvimento humano.
As diferentes combinações das cadeias globínicas possibilitam o
surgimento de hemoglobinas distintas, e para que o tetrâmero funcional seja
formado é necessário um perfeito equilíbrio na produção destas cadeias. No
braço curto do cromossomo 16, em um segmento de DNA de 35kb, localizam-se o
gene zeta (ξ), que codifica a cadeia ξ globínica, dois pseudogenes, (ψξ) e
(ψα), e os genes alfa 1 (α1) e alfa 2 (α2), que, no ser humano, estão
duplicados, devendo-se este fato provavelmente à duplicação gênica no decorrer
do processo evolutivo. Estes genes duplos são responsáveis pela codificação das
cadeias globínicas alfa. No cromossomo 11 localiza-se o complexo dos genes
beta, com uma extensão superior a 60kb, onde se observam, no sentido 5’ → 3’,
os genes epsílon-ε, gama glicina-γG, gama adenina-γA, um pseudogene (ψβ) e os
genes delta-δ e beta-β.
No período embrionário, os genes ativos
presentes nos eritroblastos, localizados no saco vitelino, promovem a produção
da cadeia zeta (ξ), que, combinada à cadeia epsílon (ε), forma a hemoglobina
Gower-1 (ξ2ε2); esta mesma cadeia zeta, combinada com a cadeia gama (γ), forma
a hemoglobina Portland (ξ2γ2); quando ocorre a produção das cadeias alfa (α),
estas se combinam com a cadeia epsílon e formam a hemoglobina Gower-2 (α2ε2).
A produção das hemoglobinas embrionárias ocorre por um período
de até três meses do início da evolução gestacional. Por grande parte da vida
intra-uterina prepondera a produção da hemoglobina fetal (HbF), devido ao
incremento da produção das cadeias alfa e gama e à sua combinação (α2γ2),
decaindo logo após os primeiros seis meses de vida. O gene da cadeia beta (β) globínica
é expresso, com pouca intensidade, nas primeiras seis semanas de vida fetal,
mas a partir deste período ocorre uma mudança (switch), quando a síntese
de cadeia γ é largamente substituída
pela síntese de cadeia β, dando origem à produção da hemoglobina A (α2/β2). O mecanismo
pelo qual esta mudança ocorre ainda é desconhecido, parecendo dever-se ao
estado de metilação do gene, ou, ainda, ao acondicionamento cromossômico ou a
outras condições que podem afetar ou influir na transcrição genética.
A produção das cadeias delta (δ) tem seu início por volta da 25ª
semana da gestação, em concentrações reduzidas, e nestes níveis permanece até o
nascimento, aumentando lentamente, estabilizando-se por volta do sexto mês de
vida em diante. Estas cadeias, quando ligadas às cadeias alfa (α), darão origem
à hemoglobina A2 (α2/δ2) (15). A hemoglobina A está presente nos eritrócitos após
os seis meses iniciais de vida e por toda a fase adulta, sendo composta por
dois pares de cadeias polipeptídicas: α2/β2. A distribuição proporcional das
diferentes hemoglobinas nas hemácias do indivíduo a partir deste período ficam
assim definidas: HbA = 96%-98%; HbA2 = 2,5%-3%; e HbF = 0%-1%.
A primeira descrição na literatura médica de um caso clínico de
anemia falciforme deveu-se à observação de hemácias alongadas e em forma de foice
no esfregaço sangüíneo de Walter Clement Noel, jovem negro, originário de
Granada (Índias Ocidentais), estudante do primeiro ano do Chicago College of
Dental Surgery, admitido no Presbyteriam Hospital com anemia. Em 1917, Emmel
observou a transformação da hemácia na sua forma original, bicôncava, para a
forma de foice, in vitro, e em 1922, o termo anemia falciforme foi
utilizado por Manson. Em 1927, Hanh e Gillepsie descobriram que a falcização
dos eritrócitos ocorria como conseqüência da exposição das células a uma baixa
tensão de O2. Em 1947, Accioly, no Brasil, pela primeira vez havia sugerido que
a falciformação ocorria como conseqüência de uma herança autossômica dominante,
mas só em 1949, através dos trabalhos de Neel e Beet, é que se definiu a doença
somente em estado de homozigose, sendo os heterozigotos portadores
assintomáticos.
Ainda em 1949, Linus Pauling et al. demonstraram que
havia uma diferente migração eletroforética da hemoglobina de pacientes com
anemia falciforme quando em comparação com a hemoglobina de indivíduos normais.
Posteriormente coube a Ingram (1956) elucidar a natureza bioquímica desta
doença, quando, através de um processo de fingerprint (eletroforese
bidimensional associada com cromatografia), fracionou a hemoglobina e estudou
os seus peptídeos. Ficou caracterizado que a anemia falciforme era ocasionada
pela substituição do ácido glutâmico por valina na cadeia β da hemoglobina,
dando origem ao conceito de doença molecular. Em 1978, com os estudos de Kan e
Dozy, novo impulso foi dado ao estudo da HbS, para introdução de técnicas de
biologia molecular.
A simples substituição pontual de uma base nitrogenada, timina
por adenina (GAT → GTT), no sexto códon do éxon 1 no DNA do
cromossomo 11, ocasiona o surgimento de uma hemoglobina
patológica. A troca de bases nitrogenadas no DNA, ao invés de codificar a produção
(transcrição) do aminoácido ácido glutâmico, irá, a partir daí, determinar a
produção do aminoácido valina, que entrará na posição 6 da seqüência de
aminoácidos que compõem a cadeia β da hemoglobina, modificando sua estrutura
molecular.
A aparentemente simples troca de um único aminoácido na
composição da cadeia beta globínica ocasiona o surgimento de uma estrutura
hemoglobínica nova, denominada hemoglobina S (onde a letra S deriva
da palavra inglesa sickle, que em português traduz-se como foice). A
hemoglobina mutante (α2/βS 2) possui propriedades físico-químicas bastante
diferentes da hemoglobina normal devido à perda de duas cargas elétricas por
molécula de hemoglobina (por causa da perda do ácido glutâmico). Exibe ainda diferente
estabilidade e solubilidade, demonstrando uma forte tendência à formação de polímeros
quando na sua forma de desoxiemoglobina. Decorre daí uma
série de alterações físicoquímicas na estrutura da hemácia, ocasionando a
deformação e o enrijecimento de sua membrana celular, concorrendo para o
surgimento do epifenômeno patológico que é a vasoclusão. Este fenômeno é
responsável por toda a seqüência de alterações estruturais e funcionais nos
mais diversos órgãos e sistemas do paciente acometido.
A hemoglobina S no estado de baixa tensão do oxigênio sofre uma
modificação na sua conformação molecular devido à presença do aminoácido
valina, que interage com o receptor fenilalanina (β-85) e leucina (β-88) na
molécula adjacente de hemoglobina S. Esta interação de natureza hidrofóbica
desencadeia a formação de polímeros, compostos por 14 fibras de desoxiemoglobinas, enoveladas entre si, num
processo denominado nucleação, que progride com o alongamento e alinhamento de
mais fibras, criando uma estrutura multipolimérica, na forma de um eixo axial
no interior da célula. Está criado assim o mecanismo de transformação da
clássica forma do eritrócito em uma nova estrutura celular no formato de foice.
A velocidade e a extensão da formação de polímeros no interior
das hemácias depende primariamente de três variáveis independentes: grau de
desoxigenação, concentração intracelular de hemoglobina S e presença ou ausência
de hemoglobina F. Uma das conseqüências da polimerização da HbS é a
desidratação celular devida às perdas de íons potássio (K+) e de água. Os
principais mecanismos destas perdas ocorrem pela ativação excessiva do canal de
transporte dos íons potássio e cloro (K+Cl-), estimulados pela acidificação,
pelo edema celular (este canal está muito ativo nos reticulócitos, onde a
desidratação desempenha papel importante na formação das células densas) e pelo
canal de Gardos, devido ao aumento da concentração dos íons cálcio (Ca++).
Outra importante alteração da hemácia na anemia falciforme se
deve à perda do seu poder deformatório, fato que lhe impossibilita transpor o
menor diâmetro dos capilares da microcirculação. A perda da elasticidade da
célula deve-se ao incremento da concentração de HbS intracelular, resultando no
aumento da viscosidade no citosol, à polimerização da HbS e à rigidez da
membrana. Estes fatores, associados a uma maior adesão do eritrócito falcizado
ao endotélio, mediada pelo complexo de integrina α4β1, trombospondina, fator de
von Willebrand e fibronectina, favorecem a formação de trombos na micro e na
macrocirculação.
A ocorrência de vasoclusões, principalmente em pequenos vasos,
representa o evento fisiopatológico determinante na origem da grande maioria
dos sinais e sintomas presentes no quadro clínico dos pacientes com anemia falciforme,
tais como crises álgicas; crises hemolíticas; úlceras de membros inferiores;
síndrome torácica aguda; seqüestro esplênico; priapismo; necrose asséptica de fêmur;
retinopatia; insuficiência renal crônica; autoesplenectomia; acidente vascular
cerebral, entre outros.
Em sua pesquisa Bindewald (2016) afirma os profissionais da
saúde de modo geral não estão preparados para atender crises agudas de
pacientes portadores da anemia falciforme, destacando a importância de
capacitar os profissionais de saúde para que se atualizem sobre a doença e seu
perfi epidemiológico, com o intuito de melhorar o atendimento individualizado e
coletivo aos pacientes e familiares. Esse acompanhamento deve ser realizado
desde a triagem neonatal até o tratamento das complicações agudas e crônicas,
visto que o diagnóstico e tratamento precoce aumentam a sobrevida destes
pacientes.
Observe a seguir um gráfico demonstrando a análise bioquímica e
imunológica das variantes estudadas de um paciente adolescente falcêmico, onde
podemos comparar os valores encontrados e os valores de referencia.
CONCLUSÃO
Para que o sistema de saúde possa cumprir o seu papel no
tratamento a na oferta de qualidade de vida ao portador de DF, torna-se
imprescindível a realização de campanhas permanentes sobre a importância de se
cumprir o diagnóstico pré-natal previsto a partir do Programa Nacional de
Triagem Neonatal (PNTN), do Ministério da Saúde. E, no mesmo contexto buscar a
capacitação continuada dos profissionais de saúde com atualizações periódicas
sobre os cuidados que se deve ter ante a possibilidade de deparar-se com um
portador da DF.
Quanto ao serviço de saúde ainda vale destacar que os protocolos
de abordagem ao paciente certamente irá diminuir os impactos gerados pelas intercorrências
e constantes internações.
Nossos estudos ainda sinaliza que se faz necessário a presença
de psicólogos e terapeutas especializados e bem capacitados para atender ao paciente
em casos de transtornos e dos picos de bipolaridades que dificultam a vida destes
nas relações com a sociedade, com a família, com os colegas de trabalho, no cumprimento
de suas tarefas laborais, acadêmicas, domésticas; no desemprego e nas crises de
ansiedade, apatia e depressão.
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
1.
Site Drauzio Varella. Anemia Falsiforme, texto de Maria
Helena Varella Bruna. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/anemia-falciforme/,
visitado em 02/06/2019, as 22h26min.
2.
FELIX
A.A.; et al. Aspectos epidemiológicos e sociais da doença falsiforme. Rev. Bras.
Hematol. Hemoter, 2010; 32 (3):203-208.
3.
GALIZA
NETO & PITOMBEIRA. Aspectos moleculares da anemia falciforme. Jornal
Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. Rio de Janeiro, v. 39, N. 1,
p. 51-56, 2003.
4.
BINDEWALD,
Matos
Saraiva. Exames laboratoriais na anemia
falciforme: um estudo de caso. Academia de ciência e tecnologia. (2016)
Disponível em: http://www.ciencianews.com
.br/arquivos/ACET/IMAGENS/Artigos_cientificos/1%20-%20exames%20laboratoriais%20na
%20 anemia%20falciforme.pdf, visitado em
03/06/2019, as 23h22min.
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