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Conheça e entenda a Anemisa Falciforme

Por Marcos Evandro Brasil & Rosana Pimentel

RESUMO

  
A anemia falciforme é uma doença genética e hereditária, predominante em negros, mas que pode manifestar-se também nos brancos. Ela se caracteriza por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que perdem a forma arredondada e elástica, adquirem o aspecto de uma foice (daí o nome falciforme) e endurecem, o que dificulta a passagem do sangue pelos vasos de pequeno calibre e a oxigenação dos tecidos. As hemácias falciformes contêm um tipo de hemoglobina, a hemoglobina S, que se cristaliza na falta de oxigênio, formando trombos que bloqueiam o fluxo de sangue, porque não têm a maleabilidade da hemácia normal. Esta anemia é causada por mutação genética, responsável pela deformidade dos glóbulos vermelhos. Para ser portador da doença, é preciso que o gene alterado seja transmitido pelo pai e pela mãe. Se for transmitido apenas por um dos pais, o filho terá o traço falciforme, que poderá passar para seus descendentes, mas não a doença manifesta. A eletroforese de hemoglobina é o exame laboratorial específico para o diagnóstico da anemia falciforme, mas a presença da hemoglobina S pode ser detectada pelo teste do pezinho quando a criança nasce. Os portadores de anemia falciforme precisam de acompanhamento médico constante. Quanto mais cedo começar, melhor será o prognóstico. Apesar de não específico, em algumas situações, ele pode ser indicado para diminuir as crises dolorosas (hidroxiureia), isquemias cerebrais de repetição (terapia de transfusão regular), terapia da quelação de ferro para aqueles que recebem transfusões com frequência e acumulam ferro no organismo e, mais raramente, a troca de hemáceas (eritracitaferese).

INTRODUÇÃO

A anemia é definida como síndrome caracterizada por diminuição de massa eritrocitária total. Laboratorialmente, definimos anemia como hemoglobina menor que 12 g/dl em mulheres ou 13 g/dl em homens. Na gravidez existe anemia relativa, por hemodiluição, além daquela por carência nutricional, principalmente, por deficiência de ferro e ácido fólico. Na gestação os limites considerados normais para o valor da hemoglobina caem para 10g% e os do hematócrito para 30%.

A avaliação inicial do paciente com anemia inclui anamnese e exame físico minuciosos, além de exames laboratoriais. Os sintomas relacionados à anemia dependem da idade, da capacidade física, do grau de anemia e do tempo de evolução. Pacientes com evolução aguda apresentam sintomas com valores mais altos de hemoglobina, enquanto que os de evolução crônica exibem valores mais baixos. Os sintomas usuais incluem astenia, cansaço, fraqueza, falta de ar e palpitações. No exame físico o achado mais característico é a palidez mucocutânea.

A investigação laboratorial inicial consiste na realização dos seguintes exames:

·         Hematócrito, hemoglobina e contagem de eritrócitos para avaliar o grau de anemia.

·         Índices hematimétricos (VCM, HCM e CHCM) para determinar se os eritrócitos são, em média, normocíticos, macrocíticos (VCM > 100) ou microcíticos (VCM < 80) e se são hipocrômicos. O aumento da amplitude de distribuição do volume dos eritrócitos (RDW) é uma medida de anisocitose.

·         Contagem de reticulócitos para estimar se a resposta medular sugere incapacidade da produção ou hemólise - ou perda sanguínea recente.

·         Exame microscópico da distensão sanguínea (lâmina de sangue periférico) para avaliar o aspecto dos eritrócitos e as alterações concomitantes dos leucócitos e das plaquetas.

As classificações das síndromes anêmicas podem ser classificadas quanto à proliferação (pelo índice de reticulócitos) e quanto à morfologia (pela ectoscopia da hemácia ou valores de VCM e HCM).
  
Causas de anemia e sua classificação de acordo com a contagem de reticulócitos e com a morfologia das hemácias.

Anemia Ferropriva

A deficiência de ferro representa a causa mais comum de anemia e pode ser diagnosticada observando o seguinte diagnóstico:

·         Hemograma com anemia microcítica e hipocrômica.
·         Ferritina < 10 ng%
·         Ferro sérico < 30mcg% , o que denota baixo estoque
·         Capacidade de ligação ao ferro (TBIC) alta.

Anemia Magaloblástica

Pode ser causada por deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, que ocorre por baixa ingesta (deficiência de folato) ou por impacto na absorção, como é o caso da anemia perniciosa (deficiência de vitamina B12). A anemia megaloblástica pode ser diagnosicada a partir do seguinte diagnóstico:

·         Neutrófilos plurissegmentados no sangue periférico.
·         A deficiência de vitamina B12 pode cursar com pancitopenia.
·         A investigação inicia-se pela dosagem de ácido fólico e vitamina B12. As dosagens séricas de ácido metilmalônico e homocisteina são usadas para confirmação diagnóstica.

Talassemia

É doença hereditária resultante de um defeito genético na síntese de uma ou mais cadeias globínicas da hemoglobina. Há dois principais tipos de talassemia - alfa e beta – que podem se manifestar como minor (ou traço talassêmico), intermédia ou major. O diagnóstico pode ser realizado observando os seguintes resultados:

·         Hemograma com microcitose, hipocromia e reticulócitos aumentados.
·         A eletroforese de hemoglobina apresenta elevação da hemoglobina A2 nas beta-talassemias.

Anemia Falciforme

Ocorre por mutação que substitui o ácido glutâmico por valina na posição 6 da cadeia ß da globina. A hemácia com a globina mutante quando desoxigenada torna a clássica forma de foice, perdendo a flexibilidade necessária para atravessar os pequenos capilares. Os heterozigotos para a mutação apresentam uma entidade benigna (traço falciforme), sem ocorrência de anemia ou obstrução vascular. A anemia falsiforme pode ser diagnosticada a partir dos indicativos a segur:

·         Anemia crônica, crises de dor osteoarticular, icterícia e história familiar freqüentemente positiva.
·         O diagnóstico é feito pela eletroforese de hemoglobina que detecta a presença da hemoglobina mutante (Hemoglobina S).

Anemias Hemolíticas
1.      Esferocitose Hereditária

Representa a mais comum desordem congênita da membrana eritróide. É caracterizada por disfunção de uma ou mais proteínas de membrana, gerando alteração na flexibilidade da hemácia com destruição periférica precoce. Clinicamente varia desde anemia discreta compensada até grave anemia hemolítica.


2.      Deficiência de Glicose 6 Fosfato Desidrogenase (G6PD)

Representa a anormalidade mais comum do metabolismo da hemácia, trata-se de uma desordem genética ligada ao cromossomo X.

A deficiência desta enzima diminui a capacidade da hemácia de manter-se íntegra frente aos agentes oxidantes. Os episódios agudos, com hemólise intravascular, podem ser provocados por fármacos, alterações metabólicas ou infecções. O diagnóstico pode ser confirmado pela presença do Corpúsculo de Heinz no esfregaço de sangue periférico e pela pesquisa de G6PD. A maioria dos indivíduos é assintomática, realizando-se o diagnóstico por estudo familiar.


3.      Anemia Hemolítica Autoimune

Ocorre quando há destruição precoce das hemácias mediada por auto-anticorpos fixados a antígenos da membrana eritrocitária que determina uma série de reações em cascata terminando na lise dessas células (hemólise intravascular), além de fagocitose pelo sistema macrofagocítico (hemólise extravascular). Pode ocorrer de forma idiopática, induzido por drogas ou de forma secundária a processos autoimunes, infecciosos ou neoplásicos.

O quadro clínico típico deverá demonstrar sinais e sintomas de anemia associada à icterícia, dor abdominal e febre. Esplenomegalia de pequena monta poderá ser encontrada. O esfregaço de sangue periférico revelará microesferócitos, hemácias “mordidas” e eritroblastos. O teste da antiglobulina direta (Coombs direto) é caracteristicamente positivo.


4.      Anemia Hemolítica Microangiopática

Caracterizada por hemólise microvascular causada por fragmentação de eritrócitos normais passando por vasos anormais. A síndrome hemolítico-urêmica e a púrpura trombocitopênica trombótica são causas primárias, enquanto que, entre as secundárias, encontramos as complicações da gravidez como: o DPP, pré-eclâmpsia, eclâmpsia e a síndrome HELPP. Clinicamente constata-se a tríade clássica: anemia microangiopática, plaquetopenia e insuficiência renal aguda.


Anemia de Doenças Crônicas

Cursa com anemia normocítica e normocrômica, geralmente leve a moderada. Sua causa é multifatorial e as doenças infecciosas, autoimunes, neoplasias e insuficiência renal crônica são condições associadas. Os exames laboratoriais irão demonstrar ferritina normal ou alta, com ferro sérico baixo, em decorrência de desordem no metabolismo do ferro.


Perda Aguda de Sangue

É causa comum de anemia hiperproliferativa. Perdas de até 15% do volume sanguíneo são normalmente toleradas por mecanismos compensatórios. Perdas maiores levam a hipotensão e choque. No choque hipovolêmico ocorre perda sanguínea global de tal forma que os valores hematimétricos podem permanecer normais e não refletem imediatamente a extensão da perda sanguínea.

Neste trabalho estaremos colocando em discussão a anemia falciforme e suas características quanto ao diagnóstico e acompanhamento para efeito de tratamento do paciente.


METODOLOGIA

O presente trabalho foi elaborado a partir de uma revisão da literatura sobre as anemias e em especial a anemia falciforme. Buscamos em sites especializados e revistas cientificas. Foram selecionados 12 (dose) publicações, das quais 04 (quatro) foram selecionadas por atenderem aos nossos critérios e outros 08 (oito) foram descartados. As publicações que atenderam a expectativa na realização deste trabalho encontram-se indexado nas Referêncas Bibliográficas.


DISCUSSÃO

Doença falciforme (DF) é um termo genérico que engloba um grupo de anemias hemolíticas hereditárias caracterizadas pela alteração estrutural na cadeira da betaglobina levando à produção de uma hemoglobina anormal denominada HbS (derivado do inglês sickle), daí, o nome doença falciforme.

A DF é uma enfermidade genética frequente nos seres humanos, sendo também de grande prevalência no Brasil. De acordo com o tipo de alteração presente na hemoglobina, pode-se classificar essa hemoglobinopatia em formas clínicas distintas: forma homozigótica SS, que é a anemia falciforme (HbSS), e as formas heterozigóticas, representadas pelas associações de HbS com outras variantes de hemoglobinas, tais como: HbC, HbD e as interações com as talassemias (α,β0 e β+).

As células falciformes têm sobrevida muito curta, de 16 a 20 dias, quando comparadas aos 120 dias do eritrócito normal. Em presença de baixa tensão de oxigênio, ocorre a polimerização da HbS, que culmina na transformação da clássica forma do eritrócito de bicôncavo para a de uma foice. Após ser repetidamente submetida a afoiçamentos na microcirculação, a célula pode perder a capacidade de retornar à sua forma discoide bicôncava normal.
  
A ocorrência de vaso-oclusões, principalmente em pequenos vasos, representa o evento fisiopatológico determinante na origem da maioria dos sinais e sintomas presentes no quadro clínico dos pacientes com doença falciforme, tais como as crises álgicas, úlceras de membros inferiores, síndrome torácica aguda (STA), sequestro esplênico, priapismo, necrose asséptica do fêmur, acidente vascular encefálico (AVE), retinopatia, insuficiência renal crônica, entre outros.

“No Brasil nascem 3.500 crianças por ano com DF e 200.000 com traço falciforme, e estima-se que 7.200.000 pessoas sejam portadoras do traço falcêmico (HbAS) e entre 25.000 a 30.000 com DF. O diagnóstico neonatal da DF foi implantado no Brasil através da Portaria nº 822, do Ministério da Saúde, de 06/06/2001.”

Fonte: Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), do Ministério da Saúde.

Assim como em outras doenças crônicas, aspectos psicossociais afetam a adaptação emocional, social e acadêmica dos pacientes com DF durante toda a sua vida. Existe um número substancial de problemas relacionados à doença crônica, como dificuldade no relacionamento familiar, na interação com colegas, no rendimento acadêmico e no desenvolvimento de uma autoimagem positiva. Ansiedade, depressão, comportamento agressivo e medo, relacionados à natureza crônica e fatal da doença, são manifestações freqüentes e se intensificam frente às repetidas crises de dor e internações. Durante a fase adulta, problemas socioeconômicos, como o desemprego, podem se fazer presentes, além de problemas emocionais e psicológicos, incluindo as dificuldades nos relacionamentos, a baixa autoestima e preocupação com a morte.

A hemoglobina é a proteína respiratória presente no interior dos eritrócitos dos mamíferos que tem como principal função o transporte de oxigênio (O2) por todo o organismo. A sua estrutura é de uma proteína esferóide, globular, formada por quatro subunidades, compostas de dois pares de cadeias globínicas, polipeptídicas, sendo um par denominado de cadeias do tipo alfa (alfa-α e zeta-ξ) e o outro de cadeias do tipo não-alfa (beta-β, delta-δ, gama-γ e epsílon-ε). Sua estrutura é quimicamente unida a um núcleo prostético de ferro, a ferroprotoporfirina IX (heme), que detém a propriedade de receber, ligar e/ou liberar o oxigênio nos tecidos. Cada cadeia polipeptídica da globina é composta por uma seqüência de aminoácidos, tendo as cadeias alfa 141 aminoácidos e as cadeias não-alfa, 146. As combinações entre as diversas cadeias de proteínas dão origem às diferentes hemoglobinas presentes nos eritrócitos desde o período embrionário (intra-uterino) até a fase adulta, produzidas no decorrer das distintas etapas do desenvolvimento humano.

            A gênese das cadeias globínicas é regulada por agrupamentos (clusters) de genes nos cromossomos 11 e 16, na ordem cronológica em que são expressos (sentido 5’ → 3’), nos períodos embrionário, fetal e adulto, quando diferentes grupos de genes são ativados ou suprimidos e diferentes cadeias globínicas são sintetizadas independentemente.

As diferentes combinações das cadeias globínicas possibilitam o surgimento de hemoglobinas distintas, e para que o tetrâmero funcional seja formado é necessário um perfeito equilíbrio na produção destas cadeias. No braço curto do cromossomo 16, em um segmento de DNA de 35kb, localizam-se o gene zeta (ξ), que codifica a cadeia ξ globínica, dois pseudogenes, (ψξ) e (ψα), e os genes alfa 1 (α1) e alfa 2 (α2), que, no ser humano, estão duplicados, devendo-se este fato provavelmente à duplicação gênica no decorrer do processo evolutivo. Estes genes duplos são responsáveis pela codificação das cadeias globínicas alfa. No cromossomo 11 localiza-se o complexo dos genes beta, com uma extensão superior a 60kb, onde se observam, no sentido 5’ → 3’, os genes epsílon-ε, gama glicina-γG, gama adenina-γA, um pseudogene (ψβ) e os genes delta-δ e beta-β.

No período embrionário, os genes ativos presentes nos eritroblastos, localizados no saco vitelino, promovem a produção da cadeia zeta (ξ), que, combinada à cadeia epsílon (ε), forma a hemoglobina Gower-1 (ξ2ε2); esta mesma cadeia zeta, combinada com a cadeia gama (γ), forma a hemoglobina Portland (ξ2γ2); quando ocorre a produção das cadeias alfa (α), estas se combinam com a cadeia epsílon e formam a hemoglobina Gower-2 (α2ε2). 

A produção das hemoglobinas embrionárias ocorre por um período de até três meses do início da evolução gestacional. Por grande parte da vida intra-uterina prepondera a produção da hemoglobina fetal (HbF), devido ao incremento da produção das cadeias alfa e gama e à sua combinação (α2γ2), decaindo logo após os primeiros seis meses de vida. O gene da cadeia beta (β) globínica é expresso, com pouca intensidade, nas primeiras seis semanas de vida fetal, mas a partir deste período ocorre uma mudança (switch), quando a síntese de cadeia  γ é largamente substituída pela síntese de cadeia β, dando origem à produção da hemoglobina A (α2/β2). O mecanismo pelo qual esta mudança ocorre ainda é desconhecido, parecendo dever-se ao estado de metilação do gene, ou, ainda, ao acondicionamento cromossômico ou a outras condições que podem afetar ou influir na transcrição genética.

A produção das cadeias delta (δ) tem seu início por volta da 25ª semana da gestação, em concentrações reduzidas, e nestes níveis permanece até o nascimento, aumentando lentamente, estabilizando-se por volta do sexto mês de vida em diante. Estas cadeias, quando ligadas às cadeias alfa (α), darão origem à hemoglobina A2 (α2/δ2) (15). A hemoglobina A está presente nos eritrócitos após os seis meses iniciais de vida e por toda a fase adulta, sendo composta por dois pares de cadeias polipeptídicas: α2/β2. A distribuição proporcional das diferentes hemoglobinas nas hemácias do indivíduo a partir deste período ficam assim definidas: HbA = 96%-98%; HbA2 = 2,5%-3%; e HbF = 0%-1%.

A primeira descrição na literatura médica de um caso clínico de anemia falciforme deveu-se à observação de hemácias alongadas e em forma de foice no esfregaço sangüíneo de Walter Clement Noel, jovem negro, originário de Granada (Índias Ocidentais), estudante do primeiro ano do Chicago College of Dental Surgery, admitido no Presbyteriam Hospital com anemia. Em 1917, Emmel observou a transformação da hemácia na sua forma original, bicôncava, para a forma de foice, in vitro, e em 1922, o termo anemia falciforme foi utilizado por Manson. Em 1927, Hanh e Gillepsie descobriram que a falcização dos eritrócitos ocorria como conseqüência da exposição das células a uma baixa tensão de O2. Em 1947, Accioly, no Brasil, pela primeira vez havia sugerido que a falciformação ocorria como conseqüência de uma herança autossômica dominante, mas só em 1949, através dos trabalhos de Neel e Beet, é que se definiu a doença somente em estado de homozigose, sendo os heterozigotos portadores assintomáticos.

Ainda em 1949, Linus Pauling et al. demonstraram que havia uma diferente migração eletroforética da hemoglobina de pacientes com anemia falciforme quando em comparação com a hemoglobina de indivíduos normais. Posteriormente coube a Ingram (1956) elucidar a natureza bioquímica desta doença, quando, através de um processo de fingerprint (eletroforese bidimensional associada com cromatografia), fracionou a hemoglobina e estudou os seus peptídeos. Ficou caracterizado que a anemia falciforme era ocasionada pela substituição do ácido glutâmico por valina na cadeia β da hemoglobina, dando origem ao conceito de doença molecular. Em 1978, com os estudos de Kan e Dozy, novo impulso foi dado ao estudo da HbS, para introdução de técnicas de biologia molecular.

A simples substituição pontual de uma base nitrogenada, timina por adenina (GAT → GTT), no sexto códon do éxon 1 no DNA do cromossomo 11, ocasiona o surgimento de uma hemoglobina patológica. A troca de bases nitrogenadas no DNA, ao invés de codificar a produção (transcrição) do aminoácido ácido glutâmico, irá, a partir daí, determinar a produção do aminoácido valina, que entrará na posição 6 da seqüência de aminoácidos que compõem a cadeia β da hemoglobina, modificando sua estrutura molecular.

A aparentemente simples troca de um único aminoácido na composição da cadeia beta globínica ocasiona o surgimento de uma estrutura hemoglobínica nova, denominada hemoglobina S (onde a letra S deriva da palavra inglesa sickle, que em português traduz-se como foice). A hemoglobina mutante (α2/βS 2) possui propriedades físico-químicas bastante diferentes da hemoglobina normal devido à perda de duas cargas elétricas por molécula de hemoglobina (por causa da perda do ácido glutâmico). Exibe ainda diferente estabilidade e solubilidade, demonstrando uma forte tendência à formação de polímeros quando na sua forma de desoxiemoglobina. Decorre daí uma série de alterações físicoquímicas na estrutura da hemácia, ocasionando a deformação e o enrijecimento de sua membrana celular, concorrendo para o surgimento do epifenômeno patológico que é a vasoclusão. Este fenômeno é responsável por toda a seqüência de alterações estruturais e funcionais nos mais diversos órgãos e sistemas do paciente acometido.

A hemoglobina S no estado de baixa tensão do oxigênio sofre uma modificação na sua conformação molecular devido à presença do aminoácido valina, que interage com o receptor fenilalanina (β-85) e leucina (β-88) na molécula adjacente de hemoglobina S. Esta interação de natureza hidrofóbica desencadeia a formação de polímeros, compostos por 14 fibras de desoxiemoglobinas, enoveladas entre si, num processo denominado nucleação, que progride com o alongamento e alinhamento de mais fibras, criando uma estrutura multipolimérica, na forma de um eixo axial no interior da célula. Está criado assim o mecanismo de transformação da clássica forma do eritrócito em uma nova estrutura celular no formato de foice.

A velocidade e a extensão da formação de polímeros no interior das hemácias depende primariamente de três variáveis independentes: grau de desoxigenação, concentração intracelular de hemoglobina S e presença ou ausência de hemoglobina F. Uma das conseqüências da polimerização da HbS é a desidratação celular devida às perdas de íons potássio (K+) e de água. Os principais mecanismos destas perdas ocorrem pela ativação excessiva do canal de transporte dos íons potássio e cloro (K+Cl-), estimulados pela acidificação, pelo edema celular (este canal está muito ativo nos reticulócitos, onde a desidratação desempenha papel importante na formação das células densas) e pelo canal de Gardos, devido ao aumento da concentração dos íons cálcio (Ca++).

Outra importante alteração da hemácia na anemia falciforme se deve à perda do seu poder deformatório, fato que lhe impossibilita transpor o menor diâmetro dos capilares da microcirculação. A perda da elasticidade da célula deve-se ao incremento da concentração de HbS intracelular, resultando no aumento da viscosidade no citosol, à polimerização da HbS e à rigidez da membrana. Estes fatores, associados a uma maior adesão do eritrócito falcizado ao endotélio, mediada pelo complexo de integrina α4β1, trombospondina, fator de von Willebrand e fibronectina, favorecem a formação de trombos na micro e na macrocirculação.

A ocorrência de vasoclusões, principalmente em pequenos vasos, representa o evento fisiopatológico determinante na origem da grande maioria dos sinais e sintomas presentes no quadro clínico dos pacientes com anemia falciforme, tais como crises álgicas; crises hemolíticas; úlceras de membros inferiores; síndrome torácica aguda; seqüestro esplênico; priapismo; necrose asséptica de fêmur; retinopatia; insuficiência renal crônica; autoesplenectomia; acidente vascular cerebral, entre outros.

Em sua pesquisa Bindewald (2016) afirma os profissionais da saúde de modo geral não estão preparados para atender crises agudas de pacientes portadores da anemia falciforme, destacando a importância de capacitar os profissionais de saúde para que se atualizem sobre a doença e seu perfi epidemiológico, com o intuito de melhorar o atendimento individualizado e coletivo aos pacientes e familiares. Esse acompanhamento deve ser realizado desde a triagem neonatal até o tratamento das complicações agudas e crônicas, visto que o diagnóstico e tratamento precoce aumentam a sobrevida destes pacientes.

Observe a seguir um gráfico demonstrando a análise bioquímica e imunológica das variantes estudadas de um paciente adolescente falcêmico, onde podemos comparar os valores encontrados e os valores de referencia.

CONCLUSÃO

            Para que o sistema de saúde possa cumprir o seu papel no tratamento a na oferta de qualidade de vida ao portador de DF, torna-se imprescindível a realização de campanhas permanentes sobre a importância de se cumprir o diagnóstico pré-natal previsto a partir do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), do Ministério da Saúde. E, no mesmo contexto buscar a capacitação continuada dos profissionais de saúde com atualizações periódicas sobre os cuidados que se deve ter ante a possibilidade de deparar-se com um portador da DF.    
            Quanto ao serviço de saúde ainda vale destacar que os protocolos de abordagem ao paciente certamente irá diminuir os impactos gerados pelas intercorrências e constantes internações.
            Nossos estudos ainda sinaliza que se faz necessário a presença de psicólogos e terapeutas especializados e bem capacitados para atender ao paciente em casos de transtornos e dos picos de bipolaridades que dificultam a vida destes nas relações com a sociedade, com a família, com os colegas de trabalho, no cumprimento de suas tarefas laborais, acadêmicas, domésticas; no desemprego e nas crises de ansiedade, apatia e depressão.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1.      Site Drauzio Varella. Anemia Falsiforme, texto de Maria Helena Varella Bruna. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/anemia-falciforme/, visitado em 02/06/2019, as 22h26min.

2.      FELIX A.A.; et al. Aspectos epidemiológicos e sociais da doença falsiforme. Rev. Bras. Hematol. Hemoter, 2010; 32 (3):203-208. 

3.      GALIZA NETO & PITOMBEIRA. Aspectos moleculares da anemia falciforme. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. Rio de Janeiro, v. 39, N. 1, p. 51-56, 2003.

4.      BINDEWALD, Matos Saraiva. Exames laboratoriais na anemia falciforme: um estudo de caso. Academia de ciência e tecnologia. (2016) Disponível em: http://www.ciencianews.com .br/arquivos/ACET/IMAGENS/Artigos_cientificos/1%20-%20exames%20laboratoriais%20na %20 anemia%20falciforme.pdf, visitado em 03/06/2019, as 23h22min.



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