Resumo
A Tanatopraxia chegou ao Brasil no
ano de 1994, inspirado por técnicas de tratamento de corpos de autoridades que
recebiam especial atenção para seus longos velórios e sepultamentos. A
civilização do Egito Antigo surpreende o mundo até os dias atuais com a
tecnologia aplicada nos processos de mumificação, pois se acreditava que os
faraós após a morte se tornariam deuses e viveriam a imortalidade. No decorrer
da evolução da humanidade foram quebrando inúmeros tabus no que diz respeito ao
tratamento a ser dado aos corpos dos defuntos. Eis que o embalsamento veio a
substituir o processo de mumificação, e nos dias atuais, muitas técnicas ainda
são discutidas, por exemplo destacamos as faculdades de medicina no Brasil que
na conservação das peças anatômicas utilizam o formoldeído
ou a glicerização. Quanto a preparação dos corpos, para velórios e sepultamentos,
a tanatopraxia e a tanatoestética hão de ocupar cada vez mais espaços de
destaque e dominar mercados no Brasil e no Mundo no que diz respeito a “mercantilização
da morte”. Em nosso país a atividade de tanatopraxista esta inserida entre as
funções dos agentes funerários, uma realidade que merece ser avaliada
diante das complexas técnicas da tanatopraxia e da tanatoestética.
Objetivo
O presente estudo objetiva apre-sentar a
técnica de tanatopraxia como um processo evolutivo do já consagrado
embalsamento praticado pela humanidade desde a antiguidade.
Por meio desse estudo, esperamos
poder fornecer aos nossos docentes e instrutores mais uma poderosa fonte de
conhecimento para o desenvolvimento das atividades pedagógicas propostas por
nos-so Instituto, e, também, possibilitar a pesquisadores e estudantes para a
consulta técnica, desde que, respeitando-se os princípios éticos e morais, seja
citada a fonte.
Metodologia
O desenvolvimento deste trabalho de
pesquisa foi realizado a partir da revisão da literatura disponível em revistas
técnicas, livros, jornais, publicações cientificas e sites especializados. Foram
selecionados 16 (dezesseis) artigos, destes, 8 (oito) foram descartados por
não atenderem aos nossos critérios e/ou não haver a consistência de conteúdo.
Para a pesquisa, portanto, utilizamos 8 (oito) artigos, dos quais estão
indexados em nossas referências bibliográfica.
Introdução
Para entender o processo de tanatopraxia, se faz necessário ter o
entendi-mento do milenar processo de embalsa-mento praticado pelos povos na
antiguidade e medieval. Aqui iniciamos nossas buscas a partir do Antigo Egito.
Osíris era o deus mais popular, pois simbolizava o próprio
Nilo e seu nome estava ligado a uma lenda que conta que seu irmão, Set, o assassinou e o cortou em pedaços. Depois, Isis, mulher de Osíris, carinhosamente conseguiu
reunir cada parte do corpo do esposo e as enfaixou. Assim, Osíris voltou à
vida, mas foi afastado do mundo terreno e passou a habitar a morada dos deuses,
onde os mortos eram julgados de acordo com a vida que levavam na Terra. A
crença em uma vida depois da morte e a formação da alma entre os egípcios
explicou o costume do embalsamento dos cadáveres. O povo no antigo Egito
acreditava que o homem possuía duas almas, Ba e Ka. A segunda alma era o elo com o corpo, podendo
entrar em estágio de decomposição. Para evitar o sofrimento ou a destruição
do Ka, era costume o embalsamento dos cada-veres. Depois
de todo o processo de embalsamento, a múmia era colocada em um sarcófago, ao
lado do qual eram depositados objetos pessoais do morto e estatuetas que o
simbolizavam.
As
múmias egípcias foram e ainda continuam sendo mistério para muitos antropólogos
e arqueólogos. Elas são famosas pelo fato de, depois de milênios, muitas delas,
ainda se encontrarem de forma quase perfeita.
No período pré-dinástico da
história egípcia, aproximadamente 3.100 anos a.C., eles
"enterravam seus mortos geralmente desnudos e sem qualquer prática de
mumificação, em fossas superficiais
cavadas nas areias do deserto, em posição fetal, com a cabeça na direção sul e a face voltada para o ocidente". A
conservação de alguns corpos
aconteciam de maneira natural, um conjunto de fatores contribuíam para isso: a
areia quente e seca do deserto, que
desidratava o corpo; a falta de contato com o ar ambiente e a alta temperatura diurna do deserto; as baixas temperaturas
noturnas, que contrastavam com as diurnas. Todos esses fatores serviam
para conservar lentamente o corpo de forma natural. Ao ter contato com esses
corpos naturalmente conservados, o povo alimentou a crença, que já tinham, na
vida após a morte. Precisava, então, dominar uma técnica artificial de
tratamento desse corpo para que pudesse melhor atingir seu objetivo.
Segundo o historiador grego Heródoto, considerado o pai da
história, os egípcios faziam uso de técnicas de diferentes métodos de
preservação, que iria variar de acordo com a classe sócio-econômica do morto.
Com o aumento do poder dos faraós no Egito, a mumificação tornou-se privilégio
de poucos. Passou a ser destinada principalmente àqueles que seriam tornados
deuses após a morte. A cada cidadão seria dado um tratamento diferente de
acordo com sua importância na organização deste império. Inicial-mente,
realizavam-se procedimentos, que começavam três dias após a morte,
exclusivamente para as pessoas ricas e poderosas. A família levava o corpo para
os embalsamadores, que trabalhavam às margens do rio Nilo devido à grande
necessidade de água, colocavam o corpo sobre uma mesa de pedra ou de madeira ou
de pedra com detalhes de alabastro. Ao redor da grande mesa havia vasos menores
para depositar os órgãos do morto. Em seguida, o corpo era lavado, e os órgãos
internos retirados. Cada um deles era envolto em um pano de linho e colocado
dentro de um dos quatro vasos sobre a proteção dos deuses chamados Filhos de
Hórus, representados nas tampas destes recipientes.
O único órgão interno que permanecia com o corpo era o
coração, pois não se podia separar um do outro, uma vez que nele residiam os
sentimentos, a consciência e a vida. O corpo era coberto com natrón, um tipo de
sal que desidratava o corpo em mais ou menos 35 a 40 dias. As cavidades eram
preenchidas com limo (qualquer alga, filamentosa ou não, que forme massas
verdes na água doce) ou serrim (espécie de qualquer planta ou grão para
alimentação do gado), secos e desidratados, provenientes do rio Nilo. O corpo
era então costurado com linho ou placa de cera. Quando se tratava de um rei,
uma chapa de ouro era utilizada para o fechamento de seu corpo. A múmia era
lavada nas águas do Nilo, ungida com bálsamos aromáticos e vestida adequadamente.
Em seguida, era envolta em tiras de linho impregnadas de resina (goma arábica).
Um sacerdote vestindo uma máscara do deus Anúbis, num ritual secreto, recitava
as fórmulas de encanta-mento adequado. Por fim, era posto um sarcófago dentro
de outro e entregue aos familiares para se dar seqüência ao ritual fúnebre. No
momento do funeral, a múmia e os jarros com seus órgãos eram levados do local
do embalsamamento até a tumba, onde seriam sepultados. A demonstração de reverência
das pessoas, geralmente, era o choro. Dentro da tumba ocorriam as cerimônias
religiosas, preparando a pessoa para a outra vida, a vida eterna.
Na Roma Antiga, os rituais fúnebres também estavam ligados a
preocupação com a estética. O cadáver era lavado com água quente, perfumado e
vestido com uma toga ornada com as insígnias de que o morto era possuidor. Por influencia
grega, era de costume colocar na boca do defunto uma moeda destinada ao pagamento
do caronte, barqueiro de um dos rios do inferno. Após ficar exposto em um leito
no átrio, onde seriam colocadas as flores e coroas, o morto era levado em
ataúde aberto num cortejo acompanhado por flautistas, tocadores de trombetas e
carpideiras, especialmente contratadas para chorar e fazer o elogio do finado.
Em relação aos túmulos, percebe-se uma tendência à
individualização das sepulturas. Era comum, desde a Roma Antiga, que cada
pessoa tivesse um local de sepultura marcado por uma inscrição, inclusive os
escravos. Isto significava o desejo de se conservar a identidade do túmulo e a
memória do desaparecido. Porém, havia muita diferença entre o enterro do rico e
o do pobre na Roma Antiga. Os pobres eram enterrados ou incinerados sem muitos
ritos, mas, mesmo assim, havia as columbárias,
sepulturas condignas construídas entre os associados. Já nos funerais dos
ricos, primeiramente o cortejo se dirigia ao fórum, onde se fazia um discurso
fúnebre (laudatio). Em algumas ocasiões era comum a máscara de cera, que
representava o antepassado do morto. O cemitério situava-se fora dos muros da
cidade, onde acontecia o sepultamento ou a incineração na própria tumba, na qual
se depositava também objetos de uso pessoal e alimentos. Em seguida, era feito
um banquete fúnebre, próximo à sepultura, iniciando para a família um rigoroso
luto de nove dias (novena), sucedido de alguns sacrifícios de animais.
Na tradição judaico-cristã as atitudes diante da morte
revelam que a morte era considerada um trespasse, uma fase. A crença era a de
que os mortos dormiam e que a morte na realidade seria um descanso. Esse sono
seria despertado no dia bem aventurado da ressurreição da carne. Portanto, o cuidado
com o corpo era de suma importância. Conforme podemos perceber na Bíblia
sagrada:
“Os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e ressus-citarão; despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos.” (Isaías, 26,19).
Tendo em vista a idéia futura de uma ressurreição do corpo,
era essencial que o corpo fosse sepultado ao invés de ser incinerado, prática
mais comumente utilizada pelos bárbaros germânicos e por alguns romanos. A boa
aparência do corpo também era essencial, pois esse mesmo corpo iria ressuscitar
e precisava ser bem conservado. Foi essa a tradição herdada pela cristandade
medieval. Apesar da invasão germânica sobre o mundo romano, não foi a pratica
de incineração própria dos germanos indo-europeus que vingou no ocidente e sim
a tradição judaico-cristã de enterramento.
No século VI, cria-se um
costume de se enterrar o defunto também nas igrejas e isso aproximou os mortos
das cidades. Os sarcófagos de pedras muitas vezes possuíam, além do nome, um
retrato do morto em seu momento de vida. Porém, com o tempo esse tipo de sepultura
desapareceu e elas se tornam cada vez mais anônimas, devido ao enterro ad sanctos, em que o defunto era
abandonado na igreja onde ficaria até a ressurreição.
Ao
analisar os ossos humanos recuperados na antiga aldeia medieval britânica
Wharram Percy, em North Yorshire antropólogos da Universidade de Southampton
concluíram que entre os séculos XI e VIV os corpos dos mortos eram mutilados
para que não voltassem para importunar os vivos. Documentos da época ofereciam
soluções para lidar com os mortos que poderiam querer vingar-se dos vivos,
entre elas, decapitação e a fogueira. A mutilação deveria ocorrer pouco tempo
após a morte, quando os ossos estavam ainda suaves ao corte. Os 147 pedaços de
ossos analisados estavam enterrados em valas comuns, longe da igreja e do
cemitério.
Relacionando a importância dos velórios na Idade Média,
percebemos que havia um grande medo de ser enterrado vivo. Vários reis e
rainhas faziam apelos para que fossem apenas enterrados, ou que seu corpo fosse
aberto para embalsamamento, vinte e quatro ou até quarenta e oito horas após o
falecimento.
Entre
os séculos XV e XIX muitos escravos mortos nos navios negreiros eram
simplesmente jogados ao mar.
Durante o século XVIII, com o advento do Iluminismo, a
sociedade começou a se influenciar por uma concepção extremamente racional e cética,
levando a uma laicização da morte por pelo menos dois motivos básicos: por
questão de economia, pois os rituais fúnebres (missa e funeral) custavam muito
caro e, tomando por base uma visão racional e céptica, seriam considerados
gastos desnecessários; e por questão de saúde, pois, por recomendações médicas,
levavam-se em conta doenças que eram transmitidas por miasmas ou vapores
provenientes do cadáver decomposto que causavam várias doenças endêmicas, sendo
com isso necessária a mudança. Era preciso criar cemitérios extramurais,
desvinculados das igrejas. Essa laicização da morte seria um dos motivos que
fizeram com que os enterros passassem a ser feitos em cemitérios fora dos âmbitos
urbanos. Após a revolução popular contra os cemitérios, na França, foi promovido
um concurso pela Academia de Arquitetura Francesa de projetos sobre cerimônias e
organização de cemitérios. Os projetistas em sua maioria criticaram o sistema
tradicional de enterro e imaginaram cemitérios gramados e arborizados,
cemitérios-jardim para serem visitados como lugar de tranqüilidade e meditação,
marcando um novo tipo de culto aos mortos. Por isso, precisaria de um ambiente
que favorecesse essa nova imagem da morte, que a tornava sinônimo de descanso,
de algo bom que aconteceu. A aparência do lugar onde os mortos descansariam
também era muito importante, pois confirmava essa nova concepção humana de
tratamento do morto como uma pessoa que descansaria em paz.
O embalsamamento faz parte
da evolução da chamada tanatopraxia. Nos Estados Unidos, os primeiros métodos
de embalsamamento começaram no início do século XIX, nas escolas de medicina.
Para servir como estudo, o corpo deveria permanecer mais tempo sem se decompor,
pois isso prejudicava a análise e, conseqüentemente, o aprendizado. Em 1846, o
Dr. Ellerslie Wallace, professor de Ana-tomia da Jefferson Medicai College, na
Filadélfia, desenvolveu um produto químico composto por zinco e cloreto para preservação
de matéria orgânica. Vale salientar que muitas dessas combinações possuíam
venenos mortais como, por exemplo, o arsênico.
Após a Guerra de Secessão
(1861-1865), nos Estados Unidos, o embalsamamento passou a ser muito utilizado
pela indústria funerária crescente, mobilizando com isso a economia americana e
desenvolvendo uma consciência profissional.
Com essa evolução da técnica
de embalsamar, surgiu a tanatopraxia, que podemos entender como uma técnica que
consiste na conservação, higienização e restauração de cadáveres humanos. A
técnica da tanatopraxia é um método utilizado mundialmente. Dessa forma, o
procedimento utilizado no Brasil é igual ao que se utiliza na Europa ou nos
Estados Unidos, por exemplo. As formas de estabilizar ou retardar a decomposição
de matéria orgânica existentes hoje são distintas, e cada uma tem característica
específica cujos resultados são igualmente diferenciados. Este é, portanto, um
método moderno e eficaz de conservação que utiliza líquidos conservantes com
concentração máxima do formol em 8%, injetado através de máquinas apropriadas,
com regulagem de pressão e vazão, através de artérias junto ao triângulo de escarpa
ou carótida, podendo ser feito multiponto conforme a necessidade de cada caso. Em
média se utilizam 8000 ml de líquido por corpo, ocorrendo a drenagem do sangue durante
o processo de injeção. O cadáver fica com aparência saudável, coloração epidérmica
rosada, sem marcas de livores mortis, ou seja, roxos nas extremidades e posterior
abdominal. O tecido epidérmico ganha uma espécie de celulite, há ganho de massa
muscular, ficando pernas e braços mais grossos e flexíveis, boca e olhos fechados,
posição do corpo normalmente reto, abdome normal para negativo, devido à aspiração
toraco-abdominal que retira sangue e gases. Após esse processo, que utiliza a abertura
de orifício ao lado do processo xifóide (umbigo), ainda há a introdução de
cerca de 500 ml de liquido conservante neste local. O tempo médio desse preparo
é de 2 horas.
A tanatopraxia chegou a
Brasil no ano de 1994, e, é realizada em ambiente equipado apropriadamente
(tanatório), desenvolvida por técnicos habilitados, chamados de tanatopraxistas,
e especialmente treinados, inclusive em tanato-estética e necromaquiagem.
A tanatoestética, ou seja, os cuidados
dispensados ao cadáver para devolver sua cor e aparência natural, através de
cosméticos e cuidados estéticos em geral, visando a sua melhor apresentação,
tem tido uma grande aceitação em nossa sociedade contemporânea. Antes não era
assim. A primeira brasileira (na verdade luso-brasileira) a ter maquiagem
mortuária, que é um dos itens da tanato-estética, foi a cantora Carmen Miranda,
em 1955, nos Estados Unidos, onde foi embalsamada, vestida e maquiada para ser
sepultada no Brasil. Acontece que a maquiagem mortuária nos Estados Unidos já estava
consolidada desde aquela época, era muito comum. Lá os rituais fúnebres são mais
longos do que os brasileiros e a conservação do corpo e de uma boa fisionomia
do morto exigiram que este segmento da maquiagem se desenvolvesse de maneira profissional.
Os maquiadores americanos especializados usam técnicas de embalsamamento e de
recomposição de pele em casos de acidente. Eles utilizam um jatinho aerógrafo
de maquiagem, com massas e produtos, segundo o maquiador Ulisses Rabelo, que
afirma nunca ter visto um trabalho desse tipo no Brasil, nem pessoas que o façam.
Retomando a história do sepultamento de Carmem Miranda, ela não pôde ser enterrada
maquiada, pois ao chegar ao Brasil, bem pintada, e usando batom e vestido vermelhos,
o rosto da artista teve que ser demaquiado, por determinação do padre que encomendaria
o corpo. Isso demonstra tanto o conservadorismo do nosso país nessa época como
também a influência do catolicismo ao longo da história da morte.
No Brasil, acontecia
freqüente-mente, que o corpo saía do hospital com um tamponamento tradicional,
que deveria ser feito de forma que os principais orifícios, nariz, boca e ânus,
não vazassem sangue. Em seguida, o corpo era levado para a funerária, onde o
defunto era vestido, ornamentado com flores e onde também era feita uma limpeza
superficial, geralmente de alguma mancha. Em geral, essa superficialidade no
tratamento do cadáver implicava problemas devido ao fato de que o processo
biológico de decomposição seria mais intenso e mais rápido. Então, como podemos
perceber, o corpo não era entregue pronto para o velório à família pelo
hospital, mas com um tratamento aparente, que os médicos chamam de "fazer
o pacote".
Na
Indonésia, ainda nos dias atuais, os corpos dos mortos são tratados a base de
uma solução de formoldeído e água e nas casas de seus parentes permanecem por
períodos que podem a ultrapassar a 1 ano.
Discussão
Falar sobre a morte
geralmente implica desconforto, porque soa como se fosse um convite a pensarmos
sobre nossa vida, quem somos, como nos constituí-mos. O fato de termos a
consciência da finitude nos possibilita atribuir maior sentido à vida e ao
tempo que ainda temos para aproveitá-la de forma plena. Porém, estar ciente desta
condição pode ser muito angustiante e paralisar o sujeito diante da reflexão da
sua própria existência (Câmara, 2011).
A morte é considerada o último
estágio do desenvolvimento humano e pode ser entendida como um evento biológico
que encerra uma vida. Porém, pensá-la apenas por esta perspectiva, a partir da
cessação dos batimentos cardíacos, resulta obsoleto. A morte é muito mais do
que um fato biológico - é um processo construído socialmente, que não se diferencia
das outras dimensões das relações sociais. É um evento capaz de gerar nos seres
humanos muito sofri-mento, seja naquele que está à beira da morte, seja naqueles
que estão à sua volta (Brêtas, Oliveira & Yamaguti, 2006).
De fato, a morte constitui
um evento inevitável, sendo um tema pouco abordado e evitado. Contudo, sob o
manto da invisibilidade, existem pessoas que, cotidianamente, lidam com a morte
em razão de seu fazer profissional. Comumente, quando se fala em profissionais
que lidam com a morte, costuma-se olhar diretamente a realidade hospitalar, em
que, normalmente, profissionais da saúde, como médicos e enfermeiros, convivem
com tal fato. Nesse sentido, percebe-se que há maior interesse científico com
esses trabalhadores que lidam diretamente com a morte no hospital, questão que
fica evidenciada diante do grande número de estudos existentes (Almeida &
Cardozo, 2012; Bandeira, Cogo, Hildebrandt, & Bradke, 2014; Duarte,
Almeida, & Popim, 2015; Kuster & Bisogno, 2010; Magalhães & Melo,
2015; Marques, Veronez, Sanches, & Higarashi, 2013; Medeiros, Azevedo,
& Oliveira, 2014; Salimena, Ferreira, & Melo, 2015; Santos &
Hormanez, 2013).
Câmara (2011) ressalta que
as profissões que lidam diretamente com a morte acabam por se tornar um grande
tabu, pois denunciam o que não se quer ver, nem aceitar. Quando se trabalha com
a morte como ofício, inevitavelmente, denunciam-se as formas mais variadas de
sofrimento, histórias e dores.
Para Ruiz e Cavalcante
(2007), responsabilizar-se pelo cuidado da morte e do corpo morto e ganhar
dinheiro com tal atividade pode soar de extrema crueldade, principalmente
porque, naquele momento, as pessoas estão vivenciando uma experiência dolorosa.
Vivemos em uma sociedade na qual temos consciência de que devemos pagar pelos
serviços que consumimos em nosso dia a dia. Contudo, pagar pelos serviços funerários
costuma ser visto como não adequado porque consiste em um ato de mercantilização
da morte. Entretanto, é preciso destacar que este tipo de serviço vem crescendo
no mercado, buscando especialização, procurando oferecer novos produtos e inovações
(Câmara, 2011).
No que se refere à cultura
funerária, percebe-se que passou por mui-tas mudanças, tornando-se um segmento
cada vez mais caro e complexo. Começaram a surgir no mercado novos produtos e serviços,
sendo esses acompanhados pelos avanços tecnológicos e industriais de uma
cultura direcionada para o consumo. Dentre esses avanços tecnológicos podemos
destacar os serviços de Tanatopraxia. Diante da Legislação Brasileira os
serviços de Tanatopraxia é uma das atribuições do agente funerário, porém, o
avanço tecnológico vem tornando a prestação desse serviço uma atividade
complexa e dotada de cuidados ambientais e biológicos em função dos ambientes
adequados para tal atividade, que realizam os cuidados com o corpo, aplicação
de formoldeído e a maquiagem.
O Conselho Regional de Enfermagem
de Sergipe publicou um Parecer Técnico que trata sobre a competência do
Enfermeiro em ser responsável técnico pelo serviço de gerenciamento de resíduos
provenientes de procedimentos relacionados a atividade de Tanatopraxia em
empresa prestadora deste serviço. No referido parecer os procedimentos de
conservação de restos mortais humanos e/ou Tanatopraxia poderão ser executados
por profissionais com escolaridade mínima de 2ª grau e com qualificação
especifica comprovada (agente funerário conforme código 5165 CBO/MTE), desde
que sejam supervisionados pelo responsável técnico. O responsável técnico pelo
estabelecimento que procedam a conservação dos restos mortais humanos e/ou
tanatopraxia deve ser médico regular-mente no Conselho Regional de Medicina e
possuir certidão de responsabilidade técnica expedida por esse conselho.
Os proprietários de
estabelecimentos funerários congêneres são responsáveis legais pelos procedimentos
e atividades realizadas no estabelecimento. Para o funcionamento do
estabelecimento, além de cumprir as exigências municipais fazendárias as
empresas prestadoras de serviços de Tanatopraxia, Conservação de Restos Mortais
Humanos, Higienização e/ou Tamponamento é obrigatória disporem do Plano de
Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) elaborado e implantado
em conformidade com a RDC ANVISA Nº. 306/2004, Resolução CONAMA Nº. 358/2005 e
outros atos que vierem a substituí-las ou completa-las.
O Gerenciamento dos Resíduos
de Serviços de Saúde constitui-se em um conjunto de procedimentos de gestão,
planejados e implementados a partir de bases científicas e técnicas, normativas
e legais, com o objetivo de minimizar a produção de resíduos e proporcionar aos
resíduos gerados, um encaminhamento seguro, de forma eficiente, visando à
proteção dos trabalhadores, a preservação da saúde pública, dos recursos
naturais e do meio ambiente.
O gerenciamento deve
abranger todas as etapas de planejamento dos recursos físicos, dos recursos
materiais e da capacitação dos recursos humanos envolvidos no manejo destes
resíduos.
Todo gerador deve elaborar
um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), baseado nas
características dos resíduos gerados respeitando a sua classificação, e esta deve ser estabelecido nas
diretrizes de manejo dos RSS. Os PGRSS a ser elaborado deve ser compatível com
as normas locais relativas à coleta, transporte e disposição final dos resíduos
gerados nos serviços de saúde, estabelecidos pelos órgãos locais responsáveis
por esta etapa.
A Agencia Nacional de
Vigilância Sanitária classifica os estabelecimentos funerários e congêneres, as
empresas públicas ou privadas que desenvolvam qualquer uma das seguintes atividades:
a) Remoção de Restos Mortais Humanos: medidas e
procedimentos relacionados à remoção de restos mortais humanos, em urna
funerária, bandeja ou embalagem específica, desde o local do óbito até o Estabelecimento
Funerário, adotando-se todos os cuidados de biossegurança necessários para se
evitar a contaminação de pessoas e/ou do ambiente.
b) Higienização de restos mortais humanos: medidas e
procedimentos utilizados para limpeza e anti-sepsia de restos mortais humanos,
com o objetivo de prepará-los para procedimentos de conservação, inumação ou
outra forma de destino;
c) Tamponamento de restos mortais humanos: uso de tampões
para vedação dos orifícios do cadáver;
d) Conservação de restos mortais humanos: empregos de
técnicas, através das quais os restos mortais humanos são submetidos a
tratamentos químicos, com vistas a manterem-se conservados por tempo total e permanente
ou previsto, quais sejam, o embalsamamento e a formolização, respectivamente.
e) Tanatopraxia: emprego de técnicas que visam à conservação
de restos mortais humanos, reconstrução de partes do corpo e embelezamento por
necromaquiagem;
f) Ornamentação de Urnas funerárias: consistem na colocação
de flores, véus e adornos decorativos e religiosos, conforme tradições e
orientação religiosa;
g) Necromaquiagem: consiste na execução de maquiagem de
cadáveres, com aplicação de cosméticos específicos;
h) Comércio de artigos funerários: exposição para venda de
artigos funerários, tais como urnas funerárias (caixões), objetos decorativos e
religiosos;
i) Velório: consiste nas honras fúnebres, conforme
tradições e orientação religiosa. Ato de velar cadáveres;
j) Translado de restos mortais humanos: todas as medidas relacionadas
ao transporte de restos mortais humanos, em urna funerária, inclusive aquelas
referentes à sua armazenagem ou guarda temporária até sua destinação final.
Devemos observar, também,
o uso de cadáveres para fins de ensino e pesquisa. Estes são regularizados de
acordo com a Lei 8501/92. Esta Lei prevê que cadáver não reclamado junto às
autoridades pública, no prazo de 30 dias, poderá ser destinado às escolas de
medicina, para fins de estudo e pesquisa de caráter científico. O Código Civil Brasileiro
relata que após a morte diversos direitos de personalidade são perdidos, porém
o único mantido é o direito à honra, umbilicalmente associado à natureza
humana. Dessa forma, o respeito ao cadáver deve ser mantido, algo que é reforçado
pela famosa “Oração ao Cadáver Desconhecido”, de autoria de Karl Rokitansky.
Os docentes possuem a
função de conscientizar os acadêmicos sobre o respeito perante o cadáver, pois
aquele corpo antes da morte construiu uma história influenciada por vários
sentimentos humanos e que agora continua o seu legado servindo a sociedade de uma
outra maneira, algo que deve ser honrado.
Diante da dificuldade na
aquisição de novos cadáveres pelas Faculdades de Medicina no Brasil, a solução
adotada de imediato é adoção de métodos eficazes de conservação de cadáveres.
Constatou-se que o principal método de conservação adotado pelas Faculdades de Medicina
no Brasil é a formolização. Isso se deve ao fato desse método ter um custo
menor e conservar por um tempo bem prolongado, ou seja, um bom custo e
benefício. Entretanto, possui uma alta toxicidade, que provoca irritação no
bulbo ocular, nas vias aéreas superiores, desconforto respiratório e efeito
carcinogênico.
Outro método de
conservação de peças anatômicas utilizadas nas Faculdades é a glicerinação
apesar do alto custo, todas as faculdades que a utilizam, não planejam mudar tal
processo de conservação. Sabe-se que as peças glicerizadas são mais fáceis de
se manu-sear e apresentam menor intensidade de peso e cheiro, devido à
diminuição de vapores prejudiciais aos manipuladores e excelentes resultados
estéticos e morfo-lógicos. Já nas intituições que utilizam o formol, mesmo com
as suas desvantagens, 60,7% não planejam alterar o método. Acredita-se que isso
se deve ao fato do formaldeído ainda possuir algumas qualidades, tais como
baixo custo, rápida penetração e adequada conservação por longo período. Entretanto,
uma quantidade considerável dos docentes das faculdades que utilizam a
formolização estão insatisfeitos e uma boa parte pretende mudar tal método de
conservação, por conta da insalubridade do formol, pois o uso do formaldeído é
prejudicial a saúde, em que os principais afetados são os docentes,
pesquisadores e técnicos de laboratórios, ou seja, aqueles que estão em contato
por longos períodos.
Para escolher a melhor
forma de conservação das peças anatômicas, vários fatores são analisados: os custos,
a toxicidade, a técnica, o manuseio das peças no pós-preparo, a necessidade de
manutenção da morfologia e coloração a mais próxima possível do estado real e o
odor. Assim, por conta da insalubridade do formol, o principal método almejado
pelas faculdades, que planejam alterar a metodologia de conservação, é a
glicerinação.
Com a tanatopraxia as coisas
mudaram no ramo funerário, porque solucionou o problema de quem precisava de um
velório mais estendido sem que o corpo entrasse em processo de decomposição
antes do enterro. "A tanatopraxia é um serviço de qualidade indiscutível."
A tanatopraxia pode ser feita para todos os casos de morte, seja por enforcamento,
por afogamento, acidente automobilístico, queda. Para todos estes casos existe
tratamento específico. Podemos dividir a tanatopraxia em três níveis básicos,
nos quais variam a técnica e os líquidos utilizados.
A tanatopraxia nível um é recomendada
para casos em que o velório durará aproximadamente doze horas, levando em
consideração a hora do falecimento. É um trabalho simples, porém indispensável.
A tanatopraxia nível dois é recomendada
para velórios que ultrapassarão as doze horas de duração. Esse método é o
tradicional, mais utilizado, pois se destina a pessoas vítimas de morte
natural, e acontece pela infusão do líquido formodeíldo no sistema circulatório.
Já a tanatopraxia nível três
é recomendada para casos necropciados, ou seja, examinados pelos médicos. Geral-mente
se destina às pessoas que morreram em casa ou no hospital sem assistência
médica, ou que morreram em casa ou no hospital sem que os médicos conseguissem
diagnosticar a causa da morte. Quando o médico tem dúvida sobre a causa da
morte, ele envia o corpo para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO). Através
do exame é que o médico vai definir a causa do falecimento. Porém, quando se
trata de morte violenta (acidentes, enforcamento, suicídio, arma de fogo, arma
branca), o corpo não é mais tratado pelo SVO, e sim pelo IML, Instituto Médico
Legal, pois esse corpo foi necropsiado e retirados fragmentos dos órgãos para
se fazer a autópsia. Quando isso ocorre, torna-se mais trabalhoso fazer a
infusão do líquido conservante pelo sistema circulatório que apresenta rompimentos
de artérias, veias e vasos. No interior do corpo humano adulto há uma
ramificação muito extensa de aproximadamente cinqüenta mil quilômetros de veia
e artérias, que, quando um de seus vasos é rompido, ocorrem infiltrações em alguns
lugares. Dessa forma, um rompimento em algum lugar pode gerar problemas sérios
a outros lugares do corpo, como inchaços, equimoses, vazamento de líquidos,
entre outros.
É interessante lembrar que o
embalsamamento substituiu a mumificação, e hoje percebe-se que aos poucos a
tanatopraxia está substituindo o embalsamamento. Por isso acreditamos ser a
tanatopraxia o que há de mais moderno no mercado funerário no mundo contemporâneo.
Isso se deve ao fato de que, apesar de semelhante ao embalsamento, a tanatopraxia
é bem menos agressiva que os outros procedimentos, além de ser mais eficaz.
A aceitação da tanatopraxia
vem crescendo, principalmente nas grandes cidades. A média de casos de
utilização da tanatopraxia é de aproximadamente 5 a 6 vezes por dia, por turno
de 12 horas. À noite essa média cai para 2 ou 3 casos. Ainda existem muitos questionamentos
a respeito do que é feito no corpo do falecido através da tanatopraxia. O tratamento
do corpo assemelha-se a um procedimento cirúrgico, e, assim como são poucos os
casos em que o médico permite a família entrar na sala de cirurgia, o
tanatopraxista também procede da mesma forma no tanatório, principalmente em
casos delicados em que se precisou de maiores cuidados. Como já havíamos falado,
a tanatopraxia é acompanhada da tanatoestética, que cuida da aparência do corpo
morto. A maquiagem mortuária tem pouca saída, as pessoas ainda não a solicitam
muito. Geralmente, pessoas de classes mais abastadas são quem mais utilizam
este tipo de serviço, subtende-se pelo fato de serem mais vaidosas e quererem
que o corpo tenha uma boa apresentação em publico no velório. Porém, vale
salientar que há um grande cuidado para que seja algo bem discreto, nada
chamativo nem extravagante, pois se trata de um funeral e de sentimentos que
ali estão envolvidos. Outro caso de comum utilização dentro da tanatoestética é
a da restauração facial. Muito comum em acidentes automobilísticos em que
vidros trespassam tecidos da face ou quando há perda de parte do lábio, vítimas
de PAF (perfuração por arma de fogo), perfurações de diversas naturezas ou até
mesmo suicídio. Utilizando as técnicas da tanatoestética, é possível deixar
essas marcas imperceptíveis. E isso é muito importante para o velório e para a
apresentação do morto em público. Também conhecida como necro-maquiagem,
consiste na reparação da pele da pessoa falecida, Por meio de técnicas de
maquiagem. O objetivo principal é minimizar os efeitos de marcas de
enfermidades e acidentes, devolvendo ao falecido a aparência e tons naturais,
dando a impressão de que está dormindo, proporcionando assim, conforto aos
entes queridos. “A preocupação da aparência, sem marcas que tragam tristes
lembranças, terá um efeito psicológico confortante junto à família e amigos”
(BRANCO. FERNANDES. GRIFFO, 2003 p. 89).
Essas técnicas servem para
amenizar os traços mortais e aliviar as dores da família. Apenas os casos em
que há uma grande perda de tecidos podem não ser solucionados. Outro caso comum
é quando há doação de órgãos, e principalmente da córnea, em que há uma grande
agressão à região do rosto, pois o médico não retira apenas a córnea para a
doação, e sim todo o globo ocular. Em lugar do globo ocular, uma grande
quantidade de gazes e algodão é enxertada e daí uma grande quantidade de vasos
é rompida e sangram excessivamente, causando uma enorme olheira que através da
tanatopraxia será solucionada.
Conclusão
Podemos concluir
que desde o inicio da civilização em todas as regiões e continentes os povos
desenvolveram por meio da sua fé uma relação entre a vida e a morte, e também,
reencarnação, eternidade, ressurreição e os riscos da alma penar sobre a Terra
ou que o espírito do defunto retorne para perseguir outras pessoas.
No tempo
contemporâneo a tanato-praxia e a tanatoestética vem suprir uma necessidade da
própria sociedade em propiciar aos seus ente queridos um ultimo cuidado
garantindo uma aparência saudável, higiene e assepsia, livre dos odores e dos
riscos de contaminação. Assim como o embalsamento foi a evolução da mumificação,
a tanatopraxia é a evolução do embalsamento, este por sinal, em breve deve
entrar em desuso.
É um campo de
trabalho promissor, que, para atender o seu crescimento os estabelecimentos
prestadores desses serviços devem cumprir a legislação vigente e pareceres
técnicos estabelecidos pelos governo federal, estadual e municipal, como
também dos órgãos de Vigilância Sanitária, de Controle Ambiental, além das
normativas e deliberações expedidas pelos Conselhos de Classe como Enfermagem,
Medicina e Biomedicina. E, por outro lado, em função da formação específica,
dos preceitos da biossegurança, do ambiente de realização dos serviços e das
exigências da legislação vigente se faz necessário o reconhecimento por parte
do Ministério do Trabalho das funções do profissional tanatopraxista distintas
das funções do agente funerário.
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